Mais do que um jogo, o poker tem se consolidado como um esporte de estratégia e raciocínio lógico, conquistando cada vez mais espaço entre os chamados esportes da mente. Em 2024, foi oficialmente reconhecido pela Associação Internacional de Esportes da Mente (IMSA), ao lado de modalidades como xadrez e e-sports.
O poker é um jogo de cartas em que os participantes precisam montar a melhor combinação possível com cinco cartas. Cada rodada exige decisões rápidas, leitura dos adversários, controle emocional e estratégias baseadas em probabilidade.
A complexidade é justamente o que atrai milhares de brasileiros à modalidade, incluindo grandes personalidades como Neymar Jr., Ronaldo Fenômeno e o holandês Memphis Depay. Para muitos, o poker vai além do entretenimento: ele contribui para a saúde mental, estimula o raciocínio e até ajuda a reduzir o estresse.
A atriz Cláudia Rodrigues, diagnosticada com esclerose múltipla desde 2000, encontrou no poker uma forma de estimular sua mente e auxiliar em sua reabilitação. Ela destaca que o jogo tem contribuído para sua saúde cognitiva: “O poker tem me ajudado muito, melhorou meu foco, minha memória, atenção e concentração. Me ajudou muito na parte cognitiva”, afirmou. Cláudia também ressalta a importância do ambiente inclusivo das mesas: “O que gosto é que nas mesas ninguém me trata como doente e jogam duro comigo. E gosto disso.”
Além disso, Cláudia relembra com orgulho um momento marcante de sua trajetória no poker: “Tive a oportunidade de jogar com profissionais e cheguei a eliminar o Akkari da mesa – um dos maiores nomes do poker brasileiro. Isso, pra mim, foi um marco. No poker, tudo é possível. Mesmo com limitações, é possível competir de igual para igual com os melhores. O poker é, de verdade, um esporte inclusivo.”

Assim como ela, outros jogadores com doenças neurológicas também veem no esporte um aliado para manter a atividade cerebral.
Murilo Doracio, de 21 anos, foi diagnosticado com distrofia muscular de merosina negativa, uma condição genética que compromete a força e o controle dos músculos ao longo do tempo. Apesar das limitações, ele encontrou no poker uma forma de manter a mente ativa e saudável. “É um esporte que exige muito do cérebro, estratégia e raciocínio, o que ajuda no meu dia a dia”, afirma Murilo, que participou do Brazilian Series of Poker (BSOP), o maior torneio da modalidade na América Latina, em março.

Diagnosticado com ELA, o engenheiro de software e escritor José Afonso Braga encontrou no poker mais do que um passatempo: é também uma ferramenta de inclusão. “A solidão destrói a pessoa psicologicamente. Felizmente, no meu caso, eu tive o poker com meus amigos para me salvar. O poker, para mim, significa inclusão”, afirma. Ele ainda reforça que o esporte foi essencial para lidar com os desafios emocionais da doença, evitando quadros de depressão e isolamento.

José começou a jogar em 2009 e, mesmo com o avanço da doença e as limitações físicas, nunca deixou de participar das partidas. No início, seus amigos o ajudavam na leitura das cartas e nas jogadas, mas, com o tempo, ele mesmo desenvolveu soluções tecnológicas personalizadas, entre elas um aplicativo próprio capaz de fazer a leitura automática das cartas e permitir a comunicação durante o jogo por meio da conversão em fala do texto digitado com os olhos, utilizando um rastreador ocular.
Mas não são só os mais jovens que se beneficiam do esporte. Casais como Zacarias e Jandira Amaral, que também participaram do BSOP em 2025, veem no poker um desafio intelectual constante para manter a mente ativa, especialmente para pessoas mais velhas. Jandira, de 79 anos, comenta que a prática tem sido uma maneira de manter o foco e a saúde mental de seu marido, que se recupera de um transplante de fígado.
“O poker também traz interação social e uma oportunidade de viajar, conhecer pessoas e lugares”, explica ela. “Apesar de ser visto, para muitos, como apenas um passatempo, ele exige alta concentração e raciocínio rápido, estimulando a mente de forma semelhante a outros exercícios cognitivos”, completa Zacarias.
Além disso, o poker é uma das poucas modalidades em que uma pessoa com limitações físicas pode competir em igualdade de condições com atletas profissionais. Ao contrário de esportes que exigem força ou agilidade corporal, o poker valoriza a estratégia e o controle emocional, o que torna a modalidade mais acessível. No BSOP, por exemplo, é possível ver jogadores com diferentes perfis físicos dividindo a mesa com os melhores do ranking — inclusive vencendo.
Poker regula níveis de hormônio do estresse?
O médico e pesquisador em endocrinologia, Marcio Krakauer, cofundador da health tech G7med, destaca que o poker pode promover a criação de novas vias neurológicas no cérebro, o que contribui para a melhoria de funções cognitivas. “O esforço mental exigido pelo esporte estimula indiretamente a bainha de mielina, camada protetora das fibras nervosas, possibilitando processos mentais mais complexos no contexto da neuroplasticidade e do estímulo cognitivo.” , explica Marcio.
Pesquisas indicam que jogar poker com regularidade poderia reduzir em até 50% o risco de desenvolver doenças como Alzheimer e demência na terceira idade. Jeffrey Cummings, pesquisador da Universidade de Nevada, aponta que a estimulação mental durante o jogo e o senso de propósito ajudam a diminuir esse risco. A literatura médica disponível sugere que a participação em atividades de lazer cognitivamente estimulantes pode estar associada a um risco reduzido de demência.
Krakauer também ressalta que o poker abrange diversas áreas cognitivas, incluindo memória de curto e longo prazo, linguagem, cálculos, pensamento visual-espacial e crítico. “Essas habilidades são constantemente ativadas durante as partidas, resultando em benefícios que se estendem para a vida pessoal, contribuindo para tomadas de decisão mais eficientes e uma mente mais ágil”, conclui. A literatura médica disponível sugere que a participação em atividades de lazer cognitivamente estimulantes pode estar associada a um risco reduzido de demência.
Sobre o BSOP
O Brazilian Series of Poker (BSOP) é o maior torneio de poker da América Latina, criado em 2006. Reconhecido globalmente, o BSOP promove o poker como um esporte de habilidade e atrai jogadores de todo o mundo. Com diversas etapas realizadas no Brasil, oferece torneios para todos os níveis e é considerado um dos maiores eventos do poker, premiado no Global Poker Awards como o melhor circuito de “buy-ins intermediários” em 2025.